domingo, maio 18

- É triste não saber se nos veremos mais uma vez -




Se a professora soubesse que seria a última vez que veria o Bê sair pela porta da sala, ela certamente daria um abraço apertado e o chamaria de volta, para abraçá-lo uma vez mais.
Se o vizinho soubesse que seria a última vez que ouviria a voz do Bê, não tenho dúvidas de que prestaria mais atenção em cada gesto e olhar, para que pudesse visualizar estes instantes em seu pensamento, dia após dia.
Se o melhor amigo soubesse que seria a última vez que se divertiria com o Bê, com certeza brincaria uns dez minutos a mais, para lembrar para sempre que a infância é, definitivamente, a melhor fase da vida.
Se o parente que mora longe ou a madrinha que está por perto soubessem que seria a última vez que estariam ao lado do Bê, dividindo seu dia e seus sonhos, eles aproveitariam cada segundo para segurar bem apertado sua mão e lembrar que o amor sempre vence.
O mais triste é que a gente nunca sabe quando será a última vez.
Bernardo Boldrini, definitivamente, nunca foi um menino exigente. Em silêncio, só pedia um pouco de amor, de compreensão e de proteção. No sorriso doce, Bernardo expressava a sua própria tristeza. Com um pai ausente, na história do Bê, o herói de repente se tornou o seu maior algoz, capaz de cometer atrocidades.
Bernardo, como toda criança, sempre acreditou num mundo encantado. Nesse mundo de magia e encanto, a maior de todas as aventuras era brincar. Em sua inocência de criança, Bê imaginava um mundo de infinitas possibilidades, em que não existia fome nem maldade e o forte jamais oprimia o fraco.
Nesse mundo mágico, podia viver entre príncipes e princesas, podia correr livre e esbanjar alegria por florestas grandes e repletas de beleza. O mundo de fantasia sempre foi o refúgio nas horas em que a realidade era triste e difícil para Bernardo.
E, para embarcar nessa viagem, o passaporte de Bê era o seu sorriso e a sua esperança.
Nesse mundo mágico, não existe crueldade, não existe pai que abandona filho, nem gente grande que detesta criança.
O Bê embarcou numa viagem rumo ao mundo dos sonhos e da fantasia. Lá, ele sabe que pode percorrer livre e feliz por cidades habitadas por lindas bruxinhas, fadas e duendes. Lá, ele sabe que nas ruas toda criança tem direito a doses diárias de atenção e amor, pois ninguém é tratado com indiferença. Também sabe que, nas casas, famílias esperam ansiosas por suas crianças com beijos e abraços cheios de carinho e alegria.
E é exatamente nesse mundo de fantasia e magia que o Bê agora vai ficar. Com o seu jeito meigo e sorriso doce, o Bê vai continuar sonhando que em algum dia o mundo real não seja mais tão cruel.
Profundamente triste e chocado, como todos, diante dessa terrível tragédia. Luto em Três Passos e em todo o Rio Grande do Sul. Minha solidariedade com todos os familiares e amigos nesse momento de profunda dor e sofrimento. Que Deus console e visite a cada um. A fé e desejo de justiça é o que nos une.
(Dieison Groff é escritor, jornalista e ativista do combate à discriminação e ao bullying nas escolas.)

domingo, maio 11

- SEJA HOMEM PARA TERMINAR -


Se vai se separar, não arrume desculpas ou evasivas.
Não tente colocar a culpa no outro para ainda se sair como vítima.
Não transfira sua decisão, muito menos queira repartir a culpa.
Não fique cavando erros para sair ileso e diminuir sua pena.
Não procure aliviar a dor com eufemismos.
Não torture com falsas promessas para ganhar tempo, não sustente planos conjuntos.
Não escolha o melhor dia para evitar conflitos. Não há melhor dia para se despedir. Todo dia é ruim. Todo dia é triste.
Não diga “eu te amo” por convenção, como se fosse um cumprimento, para despistar o que já definiu em segredo.
Não perdure cobranças se já não deseja mais nada.
Não discuta por horas a fio por um preciosismo ou um deslize se não tem paciência.
Não imponha sua vontade se não tem vontade.
Não banque o tirano, o ditador, para encobrir o crime do desamor.
Não conte aos amigos o que sente se não conta antes para sua companhia.
Não mergulhe na omissão sob a alegação de que ela não vai entender.
Não pense por ela, não fale por ela, não está mais conectado para traduzir o que ela deseja.
Não faça fiado com o silêncio, não faça empréstimo com as lembranças, não invente de pagar as palavras com juros.
Seja direto, didático, claro.
Que encontre a coragem da simplicidade. A confusão neste momento gera covardia.
Sem teorias, sem defesa, sem chantagem, sem adiamentos.
Exponha que não ama mais ou o que está envolvido com uma nova pessoa ou que não tem mais interesse.
Mas assuma o ponto final, não finja que é uma vírgula.
Metade dos traumas da separação é que alguém saiu sem explicar o motivo.
Metade dos traumas do divórcio é que alguém ficou com aquele medo preguiçoso de transparecer o fim.
E quem é deixado para trás passa o resto dos dias buscando entender o que aconteceu, remoendo o desfecho, carregando o ressentimento de que havia como continuar e inventando motivos.
Não dê trabalho de ressurreição a quem dividiu a vida com você, dê a verdadeira causa do óbito.
É uma injustiça sumir, desaparecer, virar as costas.
O coração é um cartório.
Tem que reconhecer firma. Na entrada e na saída de qualquer relacionamento.
Caso foi homem para declarar o amor, tem que ser homem para encerrar o amor.
Caso foi homem para começar o amor, tem que ser homem para terminar o amor.
By:  Fabrício Carpinejar

sábado, maio 10

- FELIZ DIA DAS MÃES -


"Perguntaram a uma mãe qual era seu filho preferido.
E ela respondeu:
'Nada é mais volúvel que um coração de mãe'.
O filho predileto, aquele a quem me dedico de corpo e alma é o meu filho doente até que sare
O que partiu, até que volte
O que está cansado, até que descanse
O que está com fome, até que se alimente
O que está com sede, até que beba
O que está estudando, até que aprenda
O que está nu, até que se vista
O que nao trabalha até que se empregue
O que namora, até que se case
O que casa até que conviva
O que é pai, até que crie os filhos
O que prometeu, até que cumpra
O que chore, até que cale
O que me deixou, até que o reencontre."


domingo, maio 4

- UMA MADRASTA PIOR DO QUE AS DOS CONTOS DE FADA -





Muito tempo antes de a revolução de costumes da segunda metade do século 20 tornar corriqueiros os arranjos familiares compostos por pais e filhos de diferentes casamentos, as fábulas infantis já haviam cristalizado a figura da madrasta como o arquétipo da vilã. A contaminação da linguagem é tamanha que, nos últimos anos, muitas mulheres verdadeiramente dedicadas a amar e ajudar a criar filhos de outras mães começaram a ser chamadas de "boadrastas" - como se o "ma" de "madrasta" não carregasse a mesma raiz da palavra "mãe" e sim um índice de caráter oculto.

Se forem confirmadas todas as hipóteses levantadas até agora no caso do menino Bernardo, porém, a enfermeira Graciele Ugolini pode orgulhar-se de ser pior do que as madrastas de fábulas infantis que deram má fama ao posto. No caso da madrasta de Cinderela, por exemplo, temos uma mulher falsa e insensível que tratou a enteada relativamente bem até o marido morrer. Quando ficou viúva, transformou a menina em empregada da casa e deixou bem claro que ela não seria criada com as mesmas regalias das filhas biológicas. Foi uma péssima madrasta, mas não uma criminosa.

Já para Branca de Neve coube o trágico destino de ser criada por uma mulher vaidosa, invejosa e cruel. Mas, ao contrário de Graciele, ela preferiu transferir para outra pessoa, um caçador, a tarefa de matar a enteada. Anos mais tarde, quando ela entrega a Branca de Neve uma maçã envenenada, surge disfarçada como uma velhinha - e não com o rosto que a princesa teria reconhecido como o da mulher que ocupara por algum tempo o lugar da própria mãe. Graciele também não teve essa preocupação.

O crime de Três Passos pode ter revelado uma madrasta pior do que as piores fantasias de adultos e crianças, mas é bom lembrar que no Brasil real ainda cabe aos homens o papel de vilão mais comum nas mais trágicas histórias infantis. Estatísticas nacionais e internacionais apontam o pai e padrasto como principais agressores, seguidos pelo avô e tio. Como no caso de Bernardo, pessoas do núcleo familiar, ou muito próximas, e que têm acesso privilegiado às crianças.
Texto de Cláudia Laitano


quinta-feira, maio 1

- ESSE MENINO ERA SEU FILHO -




"Não posso nem chamá-lo de caro ou prezado, mas apenas usar seu nome: Leandro. Educação e respeito vão soar como cinismo. 

Tampouco posso chamá-lo pelo sobrenome para indicar formalidade. Perdeu o direito do sobrenome. Seu filho pequeno está enterrado em seu sobrenome para sempre. Ele carregava seu sobrenome, você não soube carregar coisa alguma dele.

Tenho enfrentado vários pesadelos desde que ouvi a notícia de que seu menino de 11 anos fora morto pela madrasta. 

Que seu menino foi posto numa cova às margens de um rio em Frederico Westphalen (RS), coberto pela terra quando deveria ser coberto pelo edredon para não passar frio de noite.

Seu filho foi enganado. Toda a vida enganado. Toda a vida humilhado. Na hora de seu fim, aceitou o passeio para longe de Três Passos porque jurava que receberia uma televisão. 

Quando seu menino acordar dentro da morte, ele vai chamá-lo. Assim como toda criança chama seu pai quando tem medo do escuro. Vai chamá-lo e onde estará?

Ele acreditava que você era o herói dele. Estava exagerando para pedir que o salvasse, não entendeu o apelo?

Você nem pai foi. Nem homem foi. Você foi o que restou.

Como médico, não acha Bernardo uma criança um pouco grande para fazer um aborto?

O que dirá para irmãzinha dele? Que Bernardo está no céu? Que é uma estrela?

Perdeu também o direito de mentir. É você e sua memória sozinhos no silêncio. Só resta a memória para quem matou a consciência.

Nunca encontrará perdão. Deixou Bernardo desamparado. Deixou Bernardo com as mesmas roupas curtas, o mesmo uniforme escolar surrado, desde que a mãe faleceu. Deixou seu filho mendigar atenção pela cidade. Pelo fórum. 

Não entendo o que leva um homem a anular sua família anterior por uma nova namorada. O sexo é mais importante do que a paternidade? A bajulação é mais importante do que a ternura? Queria estar disponível para festas? Cortar gastos?

Fingiu que Bernardo não existia para não atrapalhar a ambição da sua mulher? Fingiu que Bernardo não havia nascido para atender à exclusividade de sua mulher?

Filho não é escolha, é responsabilidade. Já casamento é escolha...

Se a mulher não gostava de seu filho, não deveria ter recusado o relacionamento?

Como seria simples. Bastava dizer "Ou meu filho ou nada!". É o que se fala no início do namoro.

Para você, nada.

Não é que você não tem mais nada, você não é mais nada. Abdicou de seu filho para ficar com alguém. Você não se contentou em abandonar sua família para criar uma segunda família, você aniquilou sua família para criar uma segunda família.

Obrigava Bernardo a esperar fora de casa até você chegar do trabalho, agora é você quem espera fora de casa. 

Obrigava Bernardo a lavar as mãos para brincar com a irmã. Pois tente lavar suas mãos agora para tocar no rosto dele. 

Tente todos os dias de sua paternidade. Sangue não sai com a culpa."
By: Fabrício Carpinejar